16 de junho de 2009

primo.


Custumava ser aos Domingos de manhã, quer chuvesse ou quer fizesse sol, por volta das onze horas a campainha tocava. Como morava no andar de cima e o barulho que acontecia em baixo se ouvia em cima, eu acordava, corria para a casa de banho e arranjava-me com aquele jeito de menina pequenina que ainda passava pelos sitios mais pequenos. Remexia as gavetas até encontrar sempre uma coisa diferente, mexia no meu cabelo porque as repas conseguiam incomudar-me já nessa altura devido as andanças e ao crescimento do cabelo, vestia-me mais rapido que um trovão, e as escadas deixavam de ser obstaculo porque parecia que ganhava asas e chegava mais depressa á tua beira. Vinhas a assobiar, e a cantar, as tuas musicas dos anos 60, ou as músicas pimbas como eu lhes chamava, e na mão direita costumavas trazer sempre uma bandeja com pataniscas de bacalhau, lembro-me como se fosse hoje de não gostar minimamente das tuas pataniscas, ou melhor de não gostar minimamente de bacalhau, mas como tudo, fui-me habituando só para não te fazer a desfeita porque mesmo sendo eu uma criança conseguia ver nos teus olhos uma paixão enorme pela cozinha, e principalmente por cozinhar para nós naqueles dias em que te afastavas um bocadinho da tua vida diária. Com o tempo aprendi a gostar das pataniscas, das tuas piadas que muitas vezes nem graça tinham e aprendi a dar valor a cada momento em familia e talvez seja essa a razão porque fazes tanta falta agora. Mas continuando... fui crescendo e as tuas visitas já não eram semanais, vinhas de mês a mês , ou pelo menos era quando eu te conseguia pôr a vista em cima. Cresci e embora não quisesse dispensar essas tuas visitas porque foi assim que fui habituada, seguia com a minha vida, de manhã queria dormir, depois do almoço não parava em casa, e quando parava tu já não estavas. mas mesmo estando eu ausente tu deixavas as pataniscas reservadas para mim numa bandeja ao lado, e ai de quem lhes pusesse a mão. Sempre achei que estivesses sempre lá, deixava sempre pro proximo dia para te escrever qualquer coisa quando não me visitavas, e aos poucos fui-me apercebendo que algo se passava, e por fim disseram-me que estavas doente, lembro-me de pensar nessa altura que era uma doença passageira e que poderia-me continuar a agarrar a esperança porque ela sim te manteria vivo, acreditava que ninguém te ia tirar de mim porque eras a pessoa mais forte que eu conhecia e uma simples doença ( pensava eu ) não te iria matar mas sim tornar mais forte. Até um dia, o dia em que me disseram que estavas numa fase terminal,e que a minha esperança podia morrer pois tu não ias ficar entre nós, mas mesmo assim agarrei-me a ti, prendi-me á ideia de que um heroi não podia morrer, e embora não me deixassem aproximar de ti eu passava dias a escrever para ti com esperança de um dia tu vires a ler. Diziam-me que estavas melhor mas apercebi-me que era uma forma que tinham arranjado de me proteger da má noticia que aí vinha. Quando caí na realidade, foi quando me deram a noticia. Era de manhã, tinha acabado de me levantar quando ouvi o telefone tocar, saí do quarto e o meu pai já com calma, contou-me. O meu primo , o meu primo com quem eu dei os meus maiores sorrisos e com quem aprendia a gostar das comidas mais estranhas morreu.
Esta palavra dura magoou-me durante dias e dias, lembro-me de me sentir uma egoista, pois uma vez disseram-me que quando alguém morria as pessoas á volta choravam não por ela mas sim por a falta que essa pessoa lhes ia fazer, lembro-me de afirmar vezes sem conta que queria sair daqui e que a minha vida nunca mais iria ser a mesma. Primeiro era a dor, a dor incontrolavel que em vez de diminuir , aumentava , e depois, as saudades que de dia para dia me partiam o coraçãozinho de adolescente. Sentia o meu coração a bater como as vezes parecia que parava no tempo, gaguejava porque me lembrava, as lagrimas teimavam em cair sem eu querer que estas caissem, o mundo tinha caido, e parecia que uma melodia vivia dentro de mim, uma melodia triste que me fez desistir de tudo o que havia a minha volta. Desta vez não era uma paixão que tinha corrido mais , não era a partida de alguém para um país e que depois voltava e eu podia ver de novo, não eram umas ferias ou então umas saidas que depois bastava ficar em casa que ja assistia a tudo de novo, era a perda a sério, nunca mais ia ver o meu exemplo de pessoa e tinha desperdiçado o resto de tempo que poderia ter tido com ela. Hoje , engulo as saudades e transformo-as em força como tu fazias, apaguei a melodia ou escondi, fiz com que a vontade voltasse e luto todos os dias , como tu lutaste até ao fim , eu sei que não vais ler isto, mas está a fazer um ano que vivo sem ti, e senti necessidade de mostrar que não me esqueci, apenas guardei tudo para mim e levo o que me ensinaste para onde quer que eu vá , porque afinal , foste para um lugar melhor, e és mais uma estrela a olhar por mim no céu.
Para mim , continuas aqui, porque em cada atitude minha tem um bocado teu, e quer seja errada ou certa eu imagino sempre o que me irias dizer. Embora nada apague a dor, nem a memoria de te ver deitado pálido e completamente magro depois de tanto, sinto-me aconchegada com as memorias que te fazem manter vivo em mim.
( e , eu continuo a gostar das pataniscas, (L) )

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